segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

The Invisible Hook (3ª parte): Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado

Esta tradução faz parte do meu projeto pessoal de antropofagia* de boas ideias escritas originalmente em inglês. Enquanto os periódicos acadêmicos nacionais se dedicam à publicação de textos inéditos de autores nacionais, há uma lacuna na formação de nossos estudantes de graduação que, em sua maioria, não dominam a leitura de textos especializados em inglês e ficam assim sem acesso a ideias seminais. Claro que ideal seria ensinar inglês a todos nossos estudantes, mas a realidade é que não temos tido sucesso nem mesmo em ensinar o português. Esta tradução foi autorizada diretamente pelo autor do texto original para publicação neste Blog. Críticas, comentários e sugestões sobre a tradução serão bem-vindos.

* Conheça o Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade, 1928, em https://pib.socioambiental.org/files/manifesto_antropofago.pdf
Devido às limitações do Blog, a tradução será publicada em partes.
The Invisible Hook: Como a sociedade pirata prova que o interesse próprio econômico está errado (3ª parte)
Os bandos de piratas são radicalmente democráticos e igualitários: Hayek e o imperativo evolucionário.

Tradução: Fernando Luiz Goldman
Clique aqui e leia a 2ª parte
Em outras espécies, a seleção entre grupos é a força dominante. Os membros dos grupos evoluem sendo tão pró-sociais que o grupo se torna um organismo de nível superior por direito próprio. Isso é chamado de transição evolucionária importante[1] e ocorreu repetidamente durante a história da vida, incluindo as primeiras células, células nucleadas como grupos de células bacterianas, organismos multicelulares como grupos de células nucleadas e colônias de insetos sociais como grupos de insetos individuais. A própria vida pode ter se originado como grupos de interações moleculares que colaboraram. Literalmente, cada unidade que chamamos de organismo é de fato uma sociedade altamente regulada de unidades de nível inferior que evoluiu por seleção de nível superior.
Um dos desenvolvimentos mais profundos no pensamento evolucionário durante as últimas três décadas é ver nossa espécie como a mais nova evolução de uma transição maior[2]. Nossa capacidade de reprimir os comportamentos disruptivos de auto-atendimento dentro de grupos e coordenar nossas atividades para alcançar benefícios coletivos foi alimentada em nossa psique por milhares de gerações de evolução genética. Inclui nosso sentido moral, nossa capacidade de pensar em termos de um inventário compartilhado de símbolos e nossa capacidade de transmitir grandes quantidades de informações aprendidas entre gerações. Inclui atividades mentais que se qualificam como conscientes e intencionais, juntamente com muitas outras atividades mentais, que ocorrem sob atenção consciente. Como Alexis d'Toqueville observou perceptivamente[3], "A aldeia ou município é a única associação que é tão perfeitamente natural que, onde quer que um número de homens seja escolhido, ela parece se constituir a si própria".
Esta é a psicologia geneticamente inata e culturalmente elaborada que surgiu na vida em navios piratas durante sua história extraordinariamente breve. Mais geralmente, é a visão da natureza humana e sociedade que emergiu da teoria evolucionária. A questão agora se torna: como isso pode ser descrito pelos economistas como uma forma de interesse próprio?
Leeson e eu concordamos que havia uma lógica adaptativa para o comportamento pirata. O que eles fizeram resultou em benefícios, em comparação com muitas outras maneiras pelas quais eles poderiam ter se comportado. Eu atribuo os comportamentos adaptativos a uma psicologia moral complexa que evoluiu por um processo de seleção entre grupos e foi invocado em grande parte em navios piratas, embora uma seleção de grupos culturais contemporâneos também pudesse ter ocorrido.
Leeson[4] explica os mesmos comportamentos em termos da teoria da escolha racional da Economia, que ele descreve dessa maneira (p. 5):
 Primeiro, os indivíduos se interessam por si mesmos. Isso não significa que eles nunca se importam com ninguém além de si mesmos. Isso significa que a maioria de nós, na maioria das vezes, está mais interessada em se beneficiar e aos mais próximas de nós do que estamos interessados ​​em beneficiar os outros. Segundo, os indivíduos são racionais. Isso não significa que eles sejam robôs ou infalíveis.  Isso significa que os indivíduos tentam alcançar seus objetivos autointeressados ​​das melhores maneiras que eles conhecem. Em terceiro lugar, os indivíduos respondem aos incentivos. Quando o custo de uma atividade aumenta, os indivíduos fazem menos disso. Quando o custo de uma atividade cai, eles fazem mais disso. O inverso é verdadeiro para o benefício de uma atividade. Quando o benefício de uma atividade aumenta, nós fazemos mais disso. Quando o benefício cai, nós fazemos menos disso. Em resumo, as pessoas tentam evitar custos e capturar benefícios... Não é só que a Economia possa ser aplicada aos piratas. A escolha racional é a única maneira de compreender verdadeiramente as práticas de pirataria extravagantes, estranhas e francamente chocantes.
Dado que ofereci uma outra explicação, um de nós dois está errado ou um manual de tradução é necessário para mostrar como essas explicações são consistentes uma com a outra. Isso não será fácil. Como Robert Frank observou, o ator racional não compara seus benefícios com o benefício de ninguém. Os piratas eram obsessivamente comparativos, garantindo que os benefícios fossem compartilhados e calibrados pela contribuição em esforço para o grupo. Além disso, o ator racional é moralmente frouxo. Ele pode ter interesse no bem-estar dos outros, mas esse interesse não faz absolutamente nenhum trabalho explicativo no quadro de Leeson e pode não existir de todo. Como essa explicação pode ser cotejada com minha explicação, que é centrada na psicologia moral humana?
Para continuação, clique aqui e leia a 4ª parte


[1] Maynard Smith, J., & Szathmary, E. (1999). The origins of life: from the birth of life to the origin of language. Oxford: Oxford University Press.
[2] Wilson, E. O. (2012). The Social Conquest of Earth. New York: Norton.
[3] Tocqueville, A. de. (1835). Democracy in America. New York: Penguin Classic.
[4] É possível assistir uma explanação completa do autor de “The Invisivel Hook” em https://www.youtube.com/watch?v=Cqln85GD6TQ  (nota do tradutor)

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