domingo, 1 de março de 2015

Uma Teoria da Firma baseada no conhecimento

Prezados 

Em 1996, Spender* já chamava atenção de que o conhecimento é um conceito “problemático demais, o que dificulta muito a tarefa de construir uma Teoria da Firma dinâmica e baseada nele”.

 

De lá para cá muitos autores têm explorado a importância de se levar em conta o conhecimento como um fator de produção que deve ser adicionado aos clássicos: terra, capital e trabalho.

 

É parte integrante deste esforço de construir uma Teoria da Firma adequada à Sociedade do Conhecimento, em que acreditamos viver, a correta definição do que seria fazer Gestão do Conhecimento.

 

É muito fácil coletar na Internet diferentes definições desse “o que seria fazer Gestão do Conhecimento?”. Estas definições denunciam a forma como o definidor lida com o conhecimento.

 

Por exemplo, não vou citar aqui nenhum autor em especial, para não parecer uma crítica pessoal, mas é comum encontrarmos definições do tipo: “a gestão do conhecimento se refere ao processo de transformação do conhecimento tácito em explícito, com o objetivo de facilitar o fluxo de conhecimento organizacional (NONAKA, 1994; NONAKA e TAKEUCHI, 1995)”.

 

A leitura desta definição nos permite perceber que os autores dela acreditam que existam dois conhecimentos, tácito e explícito, que podem ser - não só coisificados, como também - transformados um no outro. Assim, pela definição acima, fazer Gestão do Conhecimento consistiria em, de alguma forma, acessar o conhecimento tácito, em geral reconhecido só existir nos indivíduos, e transformá-lo em conhecimento explícito, em geral entendido como passível de virar informação.

 

É importante notar que muitos dos autores que trabalham com este tipo de definição atribuem sua base conceitual à Nonaka ou, o que é mais comum, a Nonaka e Takeuchi, o que chega a ser irônico pois tal definição é diametralmente oposta a toda teoria proposta por Nonaka e seus diferentes co-autores.

 

Outro tipo de definição muito comum, que também evitarei de citar um autor específico, é a do tipo que diz que “Gestão do Conhecimento é o processo pelo qual uma organização consciente e sistematicamente gera, coleta, organiza, compartilha e analisa seu acervo de conhecimento para atingir os seus objetivos”. É uma definição muito elegante, mas na prática se mostra muito problemática, pois está implícita aqui a ideia de que o conhecimento é uma coisa que pode ser coletada, capturada, e armazenada para ser utilizada sempre que necessário.

 

E como imaginar que a turma responsável pela Gestão do Conhecimento vá gerar algum conhecimento?

 

Tal enfoque, completamente alinhado com uma abordagem tecnocentrada onde o importante seria capturar qualquer informação não estruturada e torná-la disponível a todos na empresa, traz o ônus a quem trabalha com Gestão do Conhecimento de lidar diretamente com o conhecimento. Ora, só quem é capaz de lidar com o conhecimento, passível de se caracterizar como diferencial para uma empresa, são os conhecedores.

 

Eis aqui uma questão fundamental. Quem quer que se proponha a fazer Gestão do Conhecimento precisa entender que tácito e explícito são duas dimensões de qualquer conhecimento, que simplesmente não faz sentido imaginar que conhecimento tácito é um conhecimento esperando ser transformado em explícito, e que todo conhecimento só existe nos conhecedores, por mais informação que se deixe disponível na empresa.

 

Somente após a compreensão desses fatos é que se está pronto para construir uma Teoria da Firma baseada no conhecimento, começando a perceber que fazer Gestão do Conhecimento é uma atividade que não lida diretamente com o conhecimento e, portanto, não pode gerá-lo, coletá-lo, organizá-lo e muito menos compartilhá-lo. Estas seriam atividades de primeira ordem, executadas diretamente pelos conhecedores. As atividades da Gestão do Conhecimento são, necessariamente, atividades de segunda ordem, onde os processos de estruturação do conhecimento organizacional são observados, entendidos e aprimorados.

 

Forte abraço

 

Fernando Goldman

 

* SPENDER, J. C. Making knowledge the basis of a dynamic theory of the firm. Strategic Management Journal, v. 17 (edição especial), p. 45–62, 1996.

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