sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Entrevista do Heitor Pereira

Reproduzo abaixo, entrevista do Heitor, Presidente da SBGC Nacional, dada à FNQ em revista de agosto de 2007 :

"Como e por que investir em gestão do conhecimento

O Brasil está no caminho certo. O País é um fenômeno gerencial na gestão do conhecimento. Com esse otimismo, Heitor Pereira coordena as atividades da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento (SGBC) lembrando que estivemos atrasados nessa área até os anos 90, mas, em pouco tempo, conseguimos nos transformar em benchmark para empresas globais.

Para o especialista só o saber não proporciona competitividade. A Gestão do Conhecimento deve fazer parte da estratégia das organizações, principalmente numa economia globalizada, em que tecnologia e informação são valiosos recursos para o sucesso. Gerenciar e disseminar esse conhecimento estão entre os maiores desafios do mundo corporativo. Como enfrentá-lo é o principal tema da conversa entre Pereira e a FNQ em revista. Doutor em Administração pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o executivo também é professor da FGV Management, diretor da R&H Consultoria Gerencial e ex-professor da PUC do Paraná.

Gestão do Conhecimento é algo tão complicado como parece? O que ela abrange exatamente?

A gestão do conhecimento é recente, surgiu quando as empresas perceberam que a evolução da tecnologia da informação (TI) permitia acumular um volume enorme de informações. A questão então passou a ser transformá-las em conhecimento. O primeiro passo é saber diferenciar o que é informação do que é conhecimento. A informação normalmente está explicitada ou registrada, contém significados, mas não permite decisão por si só. O conhecimento engloba dados e informações, mas é mais abrangente: inclui experiência, intuição, discernimento, valores pessoais e criatividade. Nesse sentido, podemos entender que existem dois tipos de conhecimento: o tácito, que abrange todo o saber que uma pessoa tem a partir de suas experiências e aprendizado ao longo da vida; e o explícito, que é aquele registrado, que se torna informação, portanto disponível para qualquer pessoa que tiver acesso a ela. Assim, se alguém souber fazer uma boa comida, por exemplo, tem conhecimento tácito; mas, se resolver escrever uma receita, esta é a parte explícita. A essência da Gestão do Conhecimento é transformar conhecimento tácito em conhecimento explícito.

Como implantar a GC numa organização? Existe um passo-a-passo? Por onde começar?

Não existe uma receita, mas é importante observar algumas condições: primeiramente, entender que GC é um processo corporativo e, portanto, permeia todos os demais processos da organização; em segundo lugar, é preciso ter quatro pilares de suporte ao processo de GC: estratégia orientada para resultados; liderança dos dirigentes e gerentes que estimulem um ambiente propício à criação e disseminação do conhecimento; cultura estimuladora da inovação; e, por fim, um sistema de informação que inclui as Tecnologias de Informação e Comunicação.

Por onde começar?

Um bom começo seria a sensibilização dos dirigentes (caso não sejam eles os estimuladores do processo), seguida da capacitação básica dos gerentes e do pessoal técnico e administrativo envolvido nas questões de conhecimento. É importante entender que o processo é interdisciplinar e tem de envolver pessoas de diversas áreas. Pode-se propor um Comitê de Gestão do Conhecimento ou algo parecido. A primeira atividade deve ser o mapeamento das práticas de GC já existentes, mesmo que ainda não estruturadas e sistematizadas. Tais práticas serão o inicio da implementação formal do processo e servirão de referência para outras áreas que ainda não têm práticas de GC.

Qual é o papel do RH no processo?

O departamento de Recursos Humanos, que nesse processo é chamado de área de Gestão Estratégia de Pessoas, teoricamente será responsável pela administração do recurso mais importante da empresa, pois são as pessoas que detêm o saber (tácito). A organização pode ter as informações, mas estas, sem as pessoas, não se transformam em conhecimento.

Por que muitas empresas ainda não incorporaram ou não entendem a importância da GC?

Há uma crença, que felizmente já está sendo superada, de que GC é um modismo. Ela é uma evolução gerencial. As resistências são naturais como em qualquer outra mudança organizacional. Quando se entende GC pelo aspecto da disseminação do conhecimento, geralmente, os entraves maiores estão nas áreas técnicas das empresas. Mas a percepção de que conhecimento não disseminado não tem valor ou não traz resultado tem ajudado a quebrar parte dessa resistência. A empresa tem de fazer sua parte, criando mecanismos de apoio, reconhecimento e recompensa à criação e disseminação de conhecimento.

Empresas de pequeno porte também podem trabalhar a GC?

Sim. Nas pequenas empresas, pela natureza informal de seus processos, torna-se até mais fácil implantar algumas práticas de GC. A questão é como pensa o empreendedor. Se este estimular o debate e a proposição de novas idéias e recompensar a equipe pelos resultados, está instituindo um clima de colaboração e de criação de conhecimento. Não é preciso usar soluções complexas, como ocorre nas organizações de grande porte. Conheço pequenas empresas nas quais os empreendedores criam fóruns periódicos de discussão e troca de informações entre as equipes.

É possível indicar ferramentas de uso comum na GC ou cada empresa desenvolve a sua?

Existem metodologias e ferramentas genéricas, mas é evidente que as necessidades da empresa que vão determinar quais ferramentas serão aplicadas e como serão customizadas. Não existe "remédio genérico" em GC.

Como é possível medir se uma organização tem uma gestão eficiente do conhecimento e no que isso a deixa em vantagem sobre os concorrentes?

Aí entra a questão da inovação. Quanto mais uma empresa valoriza conhecimento, mais seus resultados aparecerão sob forma de produtos ou processos internos inovadores, focados sempre no cliente. Vejam o exemplo da 3M, empresa que tem a inovação na sua logomarca. Portanto, no DNA cultural da companhia está a proposta de gerar conhecimento, que propicia inovação.

Diante do cenário internacional, é possível dizer que o meio empresarial brasileiro está em um estágio avançado em GC?

No Brasil, GC é um fenômeno gerencial que reflete a própria Sociedade do Conhecimento, uma prática que está se disseminando muito rápido. Apesar da enorme defasagem até os anos 90, o País conseguiu se recuperar em termos gerais. Atualmente, podemos afirmar que já alcançamos um estágio tão avançado que somos referência, benchmark para grandes empresas multinacionais.

O que se pode dizer do setor público?

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado em 2005 mostra que várias instituições já possuem práticas do processo de GC, embora a maioria das iniciativas seja isolada e de caráter individual (gerentes e equipes), e não institucionalizada. Mas já temos proposta de um programa de Gestão do Conhecimento para a Administração Pública Federal e a própria SBGC realiza anualmente o Congresso Nacional de Gestão do Conhecimento na Esfera Pública (Congep) para debater experiências e práticas no setor. "

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